por Antonio Carlos “Bolinha” Pereira, 75
♪♪ ♪♪ Eu me lembro, com saudade, o tempo que passou/ o tempo passa tão depressa, mas em mim deixou...
A Jovem Guarda comemora sessenta anos! O programa que revolucionou as jovens tardes de domingo estreou em 22 de agosto de 1965 no Teatro Paramount SP, com garotas e garotos de idade inferior a 20 anos aplaudindo, assobiando, cantando e berrando o nome de seus ídolos.
Roberto Carlos arruma o microfone, exibindo pulseiras e anéis de ouro e jade, curva o tronco até a altura dos joelhos, enquanto seu medalhão salta para fora da camisa. Após dizer “é uma brasa, mora!” ele estica o braço direito e anuncia: “o meu amigo Erasmo Carlos”. O capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, o carioca da Tijuca e a cantora Wanderléa, mineira de Governador Valadares, introduzem convidados ilustres: Agnaldo Timóteo, Ary Sanches, Ed Carlos, Golden Boys, Jerry Adriani, Leno e Lilian, Martinha, Os Incríveis, Os Vips, Prini Lorez, Renato e seus Blue Caps, Ronnie Cord, Rosemary, The Bells, The Fevers, The Jet Black’s, The Jordans, Tony Campello, Trio Esperança, Vanusa, Waldirene e Wanderley Cardoso entre outros. Na lista dos “ausentes”, Ronnie von. Segundo o Ibope, a audiência logo chegaria a 90% dos televisores ligados.
♪♪ ♪♪ Jovens tardes de domingo, tantas alegrias / Velhos tempos, belos dias...
Aqui no interior assistíamos às 4 e meia da tarde de domingo a gravação em vídeo-tape exibida pela TV Piratini, de Porto Alegre. Eram caros e raros os aparelhos de TV na cidade, o jeito era eu bancar o “televizinho”. Além de muita música, uma verdadeira indústria era direcionada ao público jovem, anunciando botas “ternurinha”, calças “calhambeque”, jaquetas “tremendão”, anéis, bonequinhos. Colecionei revistas, álbuns de figurinhas e o que fosse publicado a respeito; até hoje adquiro livros e discos e o que se relaciona a esses anos dourados da minha adolescência.
Roberto Carlos, líder e apresentador do programa Jovem Guarda cantava o “hino oficial”, “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, com a marcante introdução do organista Lafayette Coelho Vargas Limp, considerado o grande responsável pelo “Som da Jovem Guarda”. Convidado para tocar piano numa gravação de Erasmo Carlos, Lafayette encontrou no estúdio da gravadora um velho órgão Hammond, modelo B3, tirou a capa preta que o cobria e improvisou alguns temas religiosos. Erasmo achou o som legal e sugeriu que na gravação de “Terror dos Namorados” ao invés do piano, Lafayette tocasse órgão, algo que não era usual no rock. A gravação aconteceu em maio de 1964, e em janeiro do ano seguinte Roberto Carlos lançou em compacto simples “Aquele beijo que te dei” com Lafayette tocando órgão, elemento inovador e importante, criando um diferencial para a música brasileira da época.
O órgão Hammond é um instrumento musical elétrico inventado por Laurens Hammond em 1935 que usa rodas tonais para gerar o som e é amplamente conhecido no jazz, blues, gospel e rock. Vale lembrar que só no final daquele ano de 1964 a banda inglesa The Animals passou a usar órgão, em “The House of the Rising Sun” e em 1965 o órgão foi utilizado por Bob Dylan em “Like a Rolling Stone”; The Doors em “Light My Fire”, Procol Harum em “A Whiter Shade of Pale” cuja melodia teve como inspiração a "Ária na Quarta Corda" da Suíte Orquestral nº 3, de Johann Sebastian Bach.
O uso do órgão era associado à música religiosa e à música clássica, enquanto o rock se desenvolvia com instrumentos como guitarra elétrica e bateria, mais adequados para sua sonoridade e cultura. No entanto, a partir dos anos 60 o órgão Hammond, o órgão eletrônico e os sintetizadores se popularizaram e foram incorporados ao rock para criar atmosferas, texturas sonoras e linhas de baixo, pela possibilidade de produzir sons variados e texturas ricas, o que permitiu aos músicos explorarem novos caminhos sonoros, influenciando o rock psicodélico, o progressivo e outros subgêneros.
♪♪ ♪♪ Canções usavam formas simples pra falar de amor, carrões e gente numa festa de sorriso e cor
Roberto Carlos cantava a mais rebelde canção daqueles tempos, “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”. Moderna, ousada, irreverente. Num país católico até a raiz, um cantor, em nome do amor, mandava todo mundo para o inferno. Sendo ele mesmo um católico ferrenho, foi de fato uma super dose de heresia pop. Por isso, talvez, este hino maior do movimento JG carregue até hoje significados complexos, dualidades medonhas. Mas, deixando os dogmas religiosos de lado, “Quero que vá tudo pro inferno” está no mesmo patamar de clássicos como “Like a Rolling Stone”, de Bob Dylan ou “Satisfaction”, dos Stones, ambas lançadas no mesmo ano. Se Roberto fosse americano, essa canção estaria hoje entre as primeiras de qualquer lista internacional das maiores canções de todos os tempos. Indiscutivelmente é um clássico do rock brasileiro.
Seu amigo de fé, irmão e camarada Erasmo Carlos virou “O Tremendão”, título de um dos seus maiores sucessos nos anos 60. Ao gravar a canção definitiva daquele momento sobre uma festa em que estaria presente a nata da Jovem Guarda, nominou um a um os ídolos da época, dos pioneiros Tony Campello, Demétrius, Ronnie Cord e Sérgio Murilo aos astros e estrelas do rock brazuca como Ed Wilson, Wanderléa, Renato e seus Blue Caps, Meire Pavão, The Clevers, Os Bells, The Jordans, Golden Boys, Trio Esperança, Rossini Pinto e os sambistas Jorge Ben, Wilson Simonal e Jair Rodrigues. Mas como a lista era extensa Erasmo acabou esquecendo de citar na sua “Festa de Arromba” dois dos maiores artistas daquele momento, Jerry Adriani e Wanderley Cardoso.
No encerramento todos cantavam essa ou “O Calhambeque”, sucesso do Roberto, um apaixonado pela velocidade que escreveu muitas canções sobre carros. A partir de 1963, com “Splish Splash” e “Parei na Contramão”, continuou cantando os amores juvenis, suas confusões e a paixão pelos carros. No álbum “É Proibido Fumar” gravou uma maravilhosa versão de Erasmo para “Road Hog” um rockabilly de John D. Loudermilk, com direito a buzinadas e roncos de motor de um singelo – porém endiabrado – calhambeque. Ao longo de sua carreira ele cantaria muitas vezes essa paixão pelas 4 rodas: Parei na Contramão, Parei Olhei, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, Lobo Mau, Mexerico da Candinha, Eu Sou Terrível, As Curvas da Estrada de Santos, Por Isso Corro Demais, Detalhes, Caminhoneiro, O Cadillac.
♪♪ ♪♪ Jovens tardes de domingo, tantas alegrias / Velhos tempos, belos dias...
Algumas músicas viraram sinônimo de seus intérpretes. Wanderléa recebeu o carinhoso apelido “Ternurinha” por causa da música “Ternura”, quando gravou a versão feita por Rossini Pinto. A balada romântica representa um dos momentos mais marcantes da carreira da Wandeca.
Wanderley Cardoso virou “O Bom Rapaz”, pois era o que toda mamãe queria como genro, e a canção de Geraldo Nunes confirmava. Recheada de boas intenções, a comovida confissão de um rapaz abandonado pela namorada, cujo maior defeito fora amar demais, isso jurava de pés juntos que era um cara legal, um “bom rapaz”. As garotas acreditavam e suas mamães também.
♪♪ ♪♪ Hoje os meus domingos são doces recordações daquelas tardes de guitarras, sonhos e emoções
Fala o cantor Jerry Adriani: “O mais importante é saber que o “Movimento JG”, que muitos confundem com o “Programa JG”, vive no coração de todos, pois tem conteúdo e deixou pra sempre gravada na história a sua marca. As transformações no aspecto social ajudaram a empurrar barreiras, a abrir a maneira de enxergar as coisas, introduzindo uma nova maneira de ser aos jovens de todo o Brasil e influenciando vários estilos musicais, a começar pelo rock brasileiro. Depois de recebermos os piores vaticínios ou prognósticos, o tempo comprova que os radicais estavam errados. Não adiantou nada a passeata contra as guitarras, a tentativa de nos derrubar, as acusações de que éramos um bando de alienados, usados pelo regime autoritário, etc. Desde o surgimento do rock ’n’ roll na metade da década de 1950 seguimos os passos de Bill Halley, Elvis, Chuck Berry, Little Richard, Paul Anka, Neil Sedaka, com os os pioneiros brasileiros Carlos Gonzaga, Ronnie Cord, Sergio Murilo, Celly e Tony Campelo e tantos outros. Afinal, para todos nós foi um privilégio participar desse momento mágico na história da música e na cultura brasileira”.
♪♪ ♪♪ O que foi felicidade me mata agora de saudade/ Velhos tempos, belos dias...
Em janeiro de 1968 Roberto Carlos se despediu do programa e no mês seguinte venceu o Festival de San Remo, na Itália, com “Canzone per te”. Passadas seis décadas, a Jovem Guarda continua atual, pois o que é feito com alma e emoção nunca envelhece. As canções, gestos, gírias, sonhos e até os calhambeques permanecem vivos em quem viveu aquele tempo e em quem, de alguma forma, herdou sua energia.
Foram outros tempos, sim — mas continuam dentro de mim. Tive o privilégio de ver, ouvir, entrevistar e aplaudir muitos dos ídolos da minha geração que vieram a Joaçaba: Os Demônios da Garoa, Altemar Dutra, Ângela Maria, Moacyr Franco, Antonio Marcos, Celso Blues Boy, Almir Sater, Jair Rodrigues, Kleiton e Kledir, Raul Seixas. E alguns dos que embalavam nossas tardes de domingo: Roberto, Erasmo, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Agnaldo Timóteo e os rapazes dos conjuntos Renato e seus Blue Caps, The Jordans e Os Bells. Alguns deles já partiram, mas seu legado está sempre presente.
Durante meio século apresentei Os Discos do Bolinha, e ainda hoje, na minha discoteca particular, posso reviver cada nota, cada voz, cada história. Porque a música, essa eterna companheira, me fez entender que juventude não é questão de idade — é um estado de espírito.
A Jovem Guarda é revivida em rádio e tevê, reportagens em jornais, revistas e outras publicações. No Youtube e outras plataformas digitais é possível conferir aquelas músicas e as minhas entrevistas. Por isso, ao recordar essas melodias que moldaram minha vida, só me resta agradecer: Obrigado, Senhor, por me deixar ser — aos 75 — um jovem dos anos 60!
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