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O TEMPO jornal de fato

UM CAFÉ PARA DOIS

por Antonio Carlos Pereira, comunicador, 75 anos

Hoje eu tive um sonho que foi o mais bonito que eu sonhei em toda a minha vida! Sim, eu hoje acordei pensando num sonho que eu tive à noite, foi demais: o Paul McCartney veio aqui em casa tomar um café enquanto o pessoal passava o som antes da apresentação que ele iria fazer aqui na frente de casa. Ele ia cantar aqui na nossa rua mesmo, pois o estádio em que o Roberto Carlos em 1967 cantou no escuro foi demolido.

Quando contei ao eterno Beatle que o Rei cantara no escuro, ele ligou ao Mr. Robert Charles e o convidou a vir também para fazerem um dueto. Em 2015, nos estúdios de Abbey Road, “O Cara” gravara a balada “And I Love Her”, composta por Lennon e McCartney, a mais bem sucedida parceria da história da música, que os Beatles haviam lançado em 1964 no seu primeiro filme, "A Hard Day's Night" (traduzido no Brasil como “Os Reis do iê- iê- iê”, em Portugal “Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso”).

Paul explicou que cantaria em português aquela parte da letra que o Roberto adaptara e ele gostava tanto: “E aquele louco amor inesquecível tirar do coração é impossível, eu te amo! ... te amei demais, enlouqueci, brigas banais te perdi; o tempo já passou e eu não consigo calar meu coração, e às vezes digo que te amo”, enquanto o Roberto cantaria o trecho em inglês.

Logo o jatinho chegou ao Aeroporto Santa Teresinha, e o Roberto veio até nós no Ford 29 do Magro, que esbanjava simpatia e elegância com seu chapéu de palha ao volante do calhambeque, fazendo bibip. Os músicos ingleses não conseguiam acertar os acordes daquele arranjo estilo bossa-nova que o Roberto gravara, então apelamos ao Maestro Nando Spessato, que resolveu a parada chamando o pessoal da Carlos Gomes Big Band. Nando ainda recebeu um abraço do Paul, que recordou quando eles se encontraram em Floripa, em 2012. Foi no “Desafio Paul McCartney”, onde os interessados deveriam enviar vídeo com uma interpretação livre de qualquer canção gravada pelos Beatles. As mais criativas e divertidas foram selecionadas, entre elas a montagem brincalhona da música “Cook of the House” com o músico Luiz Fernando Spessatto, de Herval d'Oeste, cidade do Meio-Oeste catarinense, que colocou uma câmera no tripé e gravou o vídeo sozinho, na cozinha de casa.

Então, com aquela sem-cerimônia que caracteriza o brasileiro, perguntei se eles gostariam que eu os apresentasse ao distinto público. Ambos concordaram, desde que eu não me estendesse muito... Enquanto isso os meus netos já tinham virado grandes amigos dos dois astros, minha netinha Aurora fazia o símbolo do rock com o polegar dobrado e os dedos indicador e mindinho estendidos empunhando uma imaginária “air guitar” como se estivesse tocando guitarra elétrica e juntos cantavam o refrão “LÉRIBI, LÉRIBI”.

E enquanto tudo aquilo acontecia, a vizinhança começava a desconfiar do movimento. A Dona Malú, que varria a calçada desde as seis da manhã, jurava que tinha visto “um rapaz parecido com aquele Bítou...” — ela sempre errava o nome, mas ninguém tinha coragem de corrigir. Já o Seu Tonico saiu no portão com o radinho de pilha ligado na rádio Joaçaba FM, dizendo que aquilo só podia ser gravação dos “Discos do Bola”, porque “um homem desse não vinha na nossa rua assim, de supetão”. Mas bastou Paul dar um tchauzinho educado e pronto: Dona Malú derrubou a vassoura, e o Seu Tonico desligou o rádio achando que tinha chegado ao céu.

O Rei estava mandando pra netinha, a Baby Laura, a selfie que tinha feito com meus netos - quando o mais velho deles, o Roberto, resolveu cantar “eu tenho tanto pra lhe falar”, mas foi interrompido pelo canto do mais novo, o Paulo, que cantou: “Você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava, baby...” Que mancada, Paulinho, essa música é do Tim Maia! Roberto falou que iria lançá-la no LP de 1969, mas como o Eduardo Araújo já tinha gravado escolheu outra composição do Gordinho que a Nice gostara, chamada “Não Vou Ficar”.

Os músicos continuaram ensaiando, e o barulho começou a atrair mais gente. A molecada do bairro veio correndo, alguns de pijama, outros com pão na mão, e logo a rua virou um verdadeiro palco improvisado. Até o “Bolinha”, o cachorro do vizinho, resolveu participar, uivando cada vez que Paul atacava um acorde mais agudo. Roberto achou graça e disse que o cachorro tinha mais ritmo que muita dupla por aí. Ficamos todos ali, rindo, observando aquela cena que misturava sonho, circo e matinê de domingo.

No meio do ensaio, Paul pediu para conhecer mais músicas brasileiras. Aurora correu para dentro de casa e voltou com o celular da Vó Nina aberto no aplicativo de músicas, mostrando “Garota de Ipanema”, “Travessia” e até “Fricote”. Paul ouviu tudo com atenção, batucando na perna e dizendo que “this groove is amazing!”.

Fomos até a Fonte Viva Discos e ali o Aloir e o João mostraram algumas gravações de músicos brasileiros ao Paul, que fez questão de levar os discos de vinil. E ainda autografou meus Picture Discs da Maior e Melhor Banda de Todos os Tempos: Abbey Road e Sgt. Pepper’s.

Roberto, por sua vez, contou histórias dos bastidores da Jovem Guarda, de quando o som falhava ou a luz apagava e mesmo assim o público continuava cantando. Paul riu e respondeu que isto era igualzinho aos primeiros shows dos Beatles no Cavern Club: calor de fritar ovo no chão e microfone chiando. A afinidade entre os dois parecia coisa de décadas.

Quando pedimos uma palinha, Roberto e Paul se entreolharam com aquele brilho maroto de quem topa a brincadeira. A Big Band já estava afinada, as crianças faziam coro, o Magro balançava o chapéu no ritmo, e até o “Bolinha” sorriu latindo, como se fosse o produtor musical daquele momento. Eles começaram devagar, com “And I Love Her”, depois encaixaram os trechos em português... e naquele instante, juro, parecia que todo o céu do Meio-Oeste tinha parado para ouvir. Foi ali, no meio da rua, entre amigos, café, nostalgia e imaginação, que o show mais improvável da história aconteceu — mesmo que só dentro da minha cabeça.

O papo estava legal, quando o bule entornou, pois o Paul perguntou se o Roberto queria tomar daquele gostoso café que nós tínhamos servido! Fiquei tanto tempo pensando em tudo que estive sonhando, e por um momento pensei ser verdade o sonho que eu tive - mas acordei antes de contar pra eles que não tinha mais pó... PÔ PAUL, O PÓ ACABOU!

E então, quando o último acorde ecoou, a rua inteira explodiu em aplausos — mas os ruídos eram só do meu despertador tocando. Abri os olhos devagar, ainda com o gosto do café que nem existiu, e ri sozinho ao perceber que todo aquele espetáculo tinha sido sonho. Mas que sonho bom! E quando eu abri a janela o dia estava tão lindo, então levantei, fui até a cozinha, fiz meu humilde cafezinho sem o Beatle nem o Rei, e pensei: “Se um sonho desses aparece de vez em quando, a vida já vale a pena”. Afinal, sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha, só; mas sonho que se sonha juntos é realidade, como disse Raulzito. E completo: sonho que se conta vira história, e história que se compartilha vira companhia. E nada melhor do que começar o dia com um café, um sorriso e uma boa imaginação.

Foto legenda: São citados trechos das músicas "O QUINTAL DO VIZINHO, 1975 (Roberto e Erasmo Carlos); A GUERRA DOS MENINOS, 1980 (Roberto e Erasmo Carlos); AND I LOVE HER, 1964 (John Lennon & Paul McCartney); EU TE AMO, 1984 (And I Love Her) (Lennon-McCartney-Roberto Carlos); COMO É GRANDE O MEU AMOR POR VOCÊ, 1967 (Roberto Carlos); VOCÊ, 1971 (Tim Maia); NÃO VOU FICAR, 1969 (Tim Maia) PRELÚDIO, 1974 (Raul Seixas)".


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