Árvores e cidades: o equilíbrio entre segurança e preservação |
por Antonio Carlos “Bolinha” Pereira, joaçabense, 75 anos
Os amantes de cultura e história encontram, no Museu Histórico Municipal de Capinzal Vitor Almeida, documentos e objetos que contam a história de sua colonização e desenvolvimento. Um dos principais locais de lazer da cidade, a partir dos anos 60, era o Cine Glória, do empresário Ernesto Zortéa, que funcionou na Av. Presidente Nereu Ramos, imediações da Ponte Irineu Bornhausen e foi, mais tarde, rebatizado como Cine Odete. Assim como em tantos outros lugares aquele cinema foi fechado e posteriormente deu lugar a outro empreendimento.
Hoje não existem mais cinemas em funcionamento aqui em Capinzal; tivemos o Festival de Cinema Estudantil, com alunos da Rede Municipal de Ensino criando filmes e podcasts sobre os livros lidos e trabalhados durante as Jornadas Literárias, em momentos interativos e de troca de experiências para os estudantes das escolas municipais. A exibição de filmes acontece principalmente através de projetos temporários ou itinerantes, como o "Cine Pipoca Capinzal", uma das atividades culturais mais esperadas no município, promovido pela prefeitura através da Secretaria de Educação Cultura e Esportes, em parceria com o SESC. O auditório ganha clima de cinema de verdade: luzes, tela grande e um público animado, formado por crianças e adultos que embarcam nessa "viagem". O evento já se consolidou como espaço de convivência e aprendizado, aproximando o público do universo cinematográfico e fortalecendo laços comunitários. Para quem anseia por mais, a próxima sessão tem data marcada: 22 de novembro, com entrada gratuita e aberta a toda a população. Mais que uma simples sessão de cinema, é um lembrete de que momentos compartilhados tornam a vida e a cultura ainda mais agradáveis.
Poucos anos após a sucessão de conflitos decorrentes da transposição do território pela ferrovia e sua valorização aconteceram as primeiras exibições cinematográficas na então Vila Rio Capinzal, às margens da estrada férrea e do Rio do Peixe. Ambulantes vinham de trem e anunciavam pelas ruas da cidade exibições itinerantes e para passar os filmes João Vargas instala na década de 1920 o Cine Avenida.
No salão comunitário da Vila Alexandre Tomazoni, que desde 1917 residia aqui, estabelece em 1925 o Cine Rádio em uma edificação na Av. XV de Novembro, que recebia bailes e foi berço da Rádio Sulina, a primeira emissora de Capinzal, como recorda Vitor Almeida no livro “Capinzal: jóias desta terra e desta gente” (Ed. Unoesc, 2004). Assim, em um único local, estavam reunidas formas de difusão midiática representantes de um emergente mundo globalizado e conectado por meio da rápida transmissão da informação.
Também em Rio Capinzal se estabelece uma sala exclusiva de cinema. Leonardo Spadini inaugura em 1929 o Cine Farroupilha que tinha 500 cadeiras de palha, mais tarde substituídas por cadeiras especiais para cinema da Móveis Cimo, de Rio Negrinho. As películas eram exibidas em 16mm nas noites de terças, quintas, sábados e domingos. Era proibida a entrada a menores de 14 anos sem acompanhamento dos responsáveis, mas aos domingos acontecia a sessão matinê para jovens. Até 1958 o fornecimento de energia elétrica era precário e os espectadores iam às sessões da noite usando lanternas, devido à falta de iluminação pública, afirma Paulo Eliseu Santos no livro “Panorama Histórico do Município de Capinzal (SC), 1908 a 1965”. No começo a população não tinha o hábito de ir ao cinema e era realizada uma sessão grátis às quartas-feiras, “dia do pão-duro”. O Cine Farroupilha funcionou até ser destruído por um terrível incêndio em 1968.
O Festival Nacional de Cinema e Vídeo Rural de Piratuba, realizado no Centro de Eventos inaugurado em 2008, objetiva a promoção do homem do campo e do universo rural, suas histórias, seus saberes e costumes, dentro de um enfoque de sustentabilidade e fortalecimento deste personagem tão importante para o nosso país. E revela bons talentos, como o jovem cineasta Ernoy Mattiello, que realizou em parceria com a VMS Produções as películas “O Primeiro Assalto ao Trem Pagador” e “Memorável Trem de Ferro”, que em 2011 atraiu mais de 4 mil espectadores ao Teatro Alfredo Sigwalt, em 28 sessões.
A “Mostra.doc” é um evento de difusão e memória cinematográfica e visual que propõe sua continuidade voltada para a preservação audiovisual e a infinidade de possibilidades oferecidas pela produção de filmes realizados com material de arquivo, em parceria com a Cinemateca Catarinense. Treze Tílias, por contar com espaços de dança e artesanato estruturados recebeu essa mostra cinematográfica por estar próxima de outros municípios que também participam do evento, devido à curta distância que os separa. A programação foi inteiramente aberta e gratuita durante os 4 dias do evento, contemplando todos os tipos de público, em espaços que possibilitaram sessões fechadas e ao ar livre, com mais de 30 horas de exibição de filmes e atividades formativas.
Em ofício datado de 13 de março 2025, a diretora do acervo da Cinemateca Catarinense, Gabi Bresola, encaminhou à Intendência de Cultura e Secretaria de Cultura, Turismo e Eventos de Joaçaba uma proposta “de guarda e cessão do espaço de uma sala na Casa de Cultura Rogério Sganzerla” para guarda do acervo da cinemateca e criação do Memorial Rogério Sganzerla.
Fundada em 1986 e vinculada à ABD, Associação Brasileira de Documentaristas, a Associação Cultural Cinemateca Catarinense ABD/SC é um dos mais antigos espaços do setor audiovisual no país. Ao trazer o acervo para Joaçaba busca o resguardo, formação e divulgação do cinema catarinense, mantendo um espaço vivo, capaz de manter relevância e cumprir ao longo dos próximos anos sua missão, utilizando o espaço para tratamento arquivístico com exposições e ações que promovam a interação com a comunidade e ao mesmo tempo manter o material na casa que homenageia esse cineasta de tão grande importância para o cinema brasileiro.
São mais de 2 mil documentos, fotos, livros, cartazes, vídeos e rolos de filmes. A jovem hervalense Gabi justifica: “O objetivo é que a gestão e responsabilidade sejam independentes da Prefeitura de Joaçaba e da Casa de Cultura, sem gerar ônus para o poder público. Necessitamos apenas do espaço físico e como contrapartida oferecemos atividades gratuitas para a comunidade, tanto a visitação como ações artísticas relacionadas ao cinema e audiovisual.” Se a Cinemateca fosse levada para acervo particular ou instituição privada, sem acesso ao público, perderia seu caráter original de manter a história viva.
Assim como Capinzal, Joaçaba sempre teve salas de cinema: na década de 1930 o Cine Progresso, Afonso Schwartz inaugurava o primeiro cinema a ter uma sala construída especialmente para abrigar essa função, uma edificação com 480 lugares e traços arquitetônicos do “Art Déco”, estilo que apresenta forte apelo visual e decorativo, representando a modernidade expressa pela união da tecnologia da imagem em movimento com a ornamentação de vanguarda da fachada; na década de 1940 o Cine Imperial, de propriedade do Dr. Bruno Cantergiani, com 600 poltronas de madeira; na década de 1960 o Cine Vitória de propriedade do Dr. Miguel Russowsky, luxuosa sala com 1500 poltronas estofadas, era o maior do estado de Santa Catarina; a partir de 1967 o Cine Avenida, que fechou depois de 40 anos . Joaçaba tem desde julho 2018o Cine Gracher, com 550 poltronas distribuídas em três salas.
No ano de 1953 ou 54 o Cine Rex (antigo Cine Progresso), foi destruído por um incêndio, algo de certa forma corriqueiro, pois o principal componente do celuloide usado nas primeiras películas cinematográficas era o nitrato de celulose, plastificado com cânfora e álcool, e por causa de sua composição o material, altamente inflamável, queima de forma rápida e intensa. Atualmente naquele local está a Praça Adolfo Konder.
Rogério Sganzerla nasceu em Joaçaba em 1946 e faleceu em São Paulo no ano 2004, devido a um tumor no cérebro. Considerado um gênio criativo, sua obra é reconhecida mundo afora, em especial na Europa.
“Enquanto pude, fiz cinema com a máquina de escrever”, afirmava Rogério. Estudou em Joaçaba e nas capitais gaúcha, catarinense e paulista, mas gazeava as aulas para pesquisar o acervo das cinematecas. Aos 17 anos escrevia críticas de cinema para o Jornal da Tarde, o Estadão e a Folha; aos 21 participou de um festival de cinema e ganhou como prêmio uma viagem ao Festival de Cinema de Cannes. Na longa viagem de volta Rogério escreveu no navio o roteiro de um faroeste sobre o Terceiro Mundo, “O Bandido da Luz Vermelha” que lhe rendeu vários prêmios no Brasil e mundo afora.
Sua obra inovadora, disponível em DVD, também pode ser apreciada em “Filmecos Sganzerla” disponível no Youtube. Em 2003 o governo catarinense atendeu ao apelo de sua esposa e musa Helena Ignez, e auxiliou no tratamento da doença do Rogério adquirindo os direitos autorais de seis filmes seus, pelo valor total de R$ 67.000,00: O Bandido da Luz Vermelha, A Mulher de Todos, Abismo, Nem Tudo é Verdade, Tudo É Brasil e O Signo do Caos. O primeiro deles valeria em torno de meio milhão de dólares.
Os cinemas marcaram profundamente nossa cultura, eternizados em obras como Cinema Paradiso, O Poderoso Chefão, Casablanca, Tapete Vermelho, que nos transportam no tempo e no espaço. Contudo, os hábitos mudaram: hoje, muitos preferem assistir aos filmes em casa, nas telas de alta definição ou nas salas de shopping, buscando comodidade e segurança. Ainda assim, o cinema permanece como experiência coletiva insubstituível, capaz de reunir pessoas, despertar emoções e preservar memórias que não se apagam e as pessoas em nossa região têm paixão pela Sétima Arte, pois existiram cinemas em Luzerna, Videira, Caçador, Concórdia e outras tantas cidades.
.A trajetória do cinema é feita de salas que se tornaram templos da imaginação, de personagens que ousaram criar, preservar e transformar, e de comunidades que, mesmo diante das mudanças tecnológicas e sociais, mantêm viva a paixão pela Sétima Arte. A Cinemateca Catarinense, ao se instalar em Joaçaba, não apenas resguarda um acervo precioso, mas reafirma o compromisso com a memória, formação e acesso democrático à cultura. Que esse movimento de preservação e celebração continue inspirando novas gerações a contar suas histórias, iluminar telas e fortalecer os laços que unem passado, presente e futuro — porque onde há cinema, há vida pulsando em frames.
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