Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
Isagogicamente, a Grande Depressão de 1929 marcou um divisor de águas no pensamento econômico do século XX. Ao escancarar as limitações do liberalismo clássico e suas premissas de autorregulação dos mercados, abriu espaço para novas abordagens que buscavam conciliar crescimento econômico com justiça social. É nesse contexto que se insere a figura de John Maynard Keynes, economista britânico cuja obra revolucionou a teoria econômica e forneceu a base intelectual para o surgimento do chamado Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social. Longe de ser um ideólogo da assistência pública, Keynes foi um pensador pragmático que, ao enfrentar o desemprego em massa e o colapso da confiança nos mercados, defendeu a intervenção do Estado como instrumento necessário para estabilizar a economia e assegurar padrões mínimos de vida à população.
Destarte, o ponto central do pensamento keynesiano jaz na recusa à ideia de que os mercados são, por natureza, autorregulados e tendem automaticamente ao equilíbrio de pleno emprego. Em sua obra principal, "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda" (1936), Keynes mostra que a economia pode ficar presa por longos períodos em situações de subemprego, a menos que haja uma intervenção externa – especialmente por parte do Estado – para estimular a demanda agregada. Nesse sentido, o investimento público torna-se uma ferramenta crucial para compensar a insuficiência da demanda privada, criando empregos, incentivando a produção e restaurando a confiança no futuro econômico. Essa visão rompe com o fatalismo do laissez-faire e abre espaço para políticas econômicas ativas, que viriam a ser institucionalizadas no pós-guerra sob a forma do Estado de Bem-Estar.
O Welfare State, posto que anterior a Keynes em algumas de suas raízes — com experiências pontuais na Alemanha de Bismarck ou nas políticas sociais do liberalismo reformista inglês — ganha estrutura e legitimidade com a ascensão do keynesianismo no período posterior à Segunda Guerra Mundial. O chamado "consenso keynesiano", vigente até meados da década de 1970, orientou políticas públicas em diversos países ocidentais, especialmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Esse modelo previa um Estado responsável não apenas pela estabilidade macroeconômica, mas também pela oferta de serviços essenciais como saúde, educação, previdência social e proteção contra o desemprego. A ideia era garantir não apenas a sobrevivência dos mais pobres, mas condições mínimas de cidadania e inclusão social para toda a população.
Na práxis, a articulação entre keynesianismo e Welfare State produziu resultados notáveis. No período entre 1945 e 1973, conhecido como “os trinta gloriosos anos”, o mundo ocidental assistiu a taxas robustas de crescimento econômico, com baixa inflação e redução significativa das desigualdades sociais. Na Europa, planos de reconstrução como o Plano Marshall foram acompanhados da criação de sistemas públicos de seguridade social, inspirados por modelos como o britânico "Beveridge Report", que dialogava diretamente com as ideias de Keynes ao propor a erradicação dos “cinco gigantes”: necessidade, doença, ignorância, miséria e ociosidade. A ideia de um Estado garantidor de bem-estar passou a ser vista não apenas como uma escolha moral, mas como uma estratégia racional de desenvolvimento econômico sustentável.
Contudo, importa obtemperar que Keynes não foi propriamente mentor do Welfare State no sentido estrito. Ele não advogava por um Estado onipresente, tampouco por uma socialização completa da economia. Pelo contrário, ele acreditava na eficiência dos mercados em diversas situações e defendia o capitalismo como sistema mais eficaz de geração de riqueza. O que ele propunha era um "capitalismo reformado", capaz de corrigir seus próprios excessos por meio de uma regulação inteligente e de políticas públicas voltadas à manutenção da demanda efetiva. A proteção social, nesse quadro, não é apenas uma questão de compaixão, mas uma engrenagem necessária para o funcionamento do sistema como um todo. Keynes via a segurança econômica dos indivíduos como fator essencial para a estabilidade social e política, bem como para a continuidade dos investimentos e do consumo – pilares do crescimento econômico.
Ademais disso, o keynesianismo transformou o papel do Estado no imaginário coletivo. De mero guardião das leis e da ordem, o Estado passou a ser visto como planejador, investidor e protetor. Essa mudança teve profundas implicações nas democracias liberais, pois vinculou a legitimidade dos governos à sua capacidade de garantir bem-estar aos cidadãos. Surgiram novas formas de cidadania social, nas quais os direitos à saúde, à educação e à seguridade passaram a ser tão centrais quanto os direitos civis e políticos. O Welfare State, nesse sentido, é a institucionalização política das ideias econômicas keynesianas, adaptadas à realidade democrática e à exigência de coesão social em sociedades marcadas por grandes transformações industriais e tecnológicas.
Entretanto, o declínio do consenso keynesiano a partir da crise do petróleo de 1973 e da ascensão do neoliberalismo na década de 1980 — liderado por figuras como Margaret Thatcher e Ronald Reagan — não apaga a influência duradoura de Keynes. As críticas neoliberais ao Welfare State, centradas na alegada ineficiência estatal, no "assistencialismo" e na perda de incentivos individuais, levaram a reformas significativas, como a privatização de serviços públicos e a flexibilização das relações de trabalho. Não obstante, posto que os governos neoliberais mantiveram parte das estruturas básicas do Estado de Bem-Estar, evidenciando sua consolidação como conquista social. A crise financeira de 2008, por sua vez, marcou um retorno parcial ao pensamento keynesiano, com pacotes de estímulo fiscal, salvamentos bancários e revalorização do papel do Estado como estabilizador de última instância.
Todavia, nos dias atuais, com os desafios colocados pela pandemia de COVID-19, pelas transformações climáticas e pelas novas tecnologias, a discussão sobre o Welfare State ganha nova centralidade. A necessidade de políticas públicas eficazes, capazes de garantir renda, acesso a serviços básicos e proteção em tempos de crise, recoloca Keynes no centro do debate. Em um mundo onde as desigualdades crescem e o mercado de trabalho se torna cada vez mais volátil, a proposta keynesiana de uma economia coordenada, com o Estado atuando para garantir demanda e reduzir incertezas, mostra-se novamente relevante. O Welfare State do século XXI talvez precise ser reinventado, mas dificilmente poderá prescindir das lições deixadas por Keynes.
Em epítome, posto que Keynes não tenha elaborado um modelo acabado de Estado de Bem-Estar Social, seu legado foi determinante para sua emergência e consolidação. Ao romper com o determinismo liberal e defender a ação do Estado como instrumento legítimo de intervenção econômica e proteção social, Keynes forneceu o arcabouço teórico que permitiu a construção de uma das mais ambiciosas experiências de justiça social do mundo contemporâneo.
Por final. Welfare State, longe de ser uma invenção isolada ou exclusivamente moral, é o resultado histórico de uma nova concepção de economia, na qual o bem-estar coletivo deixa de ser consequência acidental do mercado e passa a ser objetivo explícito das políticas públicas.
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