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O TEMPO jornal de fato

KEYNES, ECONOMISTA E FILÓSOFO

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)

Em primeiro lugar, John Maynard Keynes (1883–1946) figura na galeria dos pensadores mais influentes do pensamento econômico e político do século XX. Seu impacto, entretanto, transcende o campo estrito da economia, alcançando dimensões filosóficas, éticas e epistemológicas que moldaram não apenas a teoria econômica moderna, mas também a forma como se compreende a relação entre o indivíduo, o Estado e a sociedade. Ao examinar a trajetória intelectual de Keynes, percebe-se que ele não foi apenas um economista preocupado com as flutuações do mercado ou com os ciclos de desemprego, mas também um filósofo que buscou repensar os fundamentos do conhecimento humano, da racionalidade e da ação social.

De outro vértice, a formação intelectual de Keynes revela a amplitude de seus interesses. Educado em Cambridge, foi profundamente influenciado pelo ambiente cultural e filosófico do chamado Grupo de Bloomsbury, círculo de intelectuais que incluía nomes como Virginia Woolf, Lytton Strachey e Bertrand Russell. Essa convivência o expôs a debates sobre estética, ética e a natureza da vida boa, temas que permaneceram presentes em sua visão de mundo e que permeiam suas reflexões econômicas. Em sua juventude, Keynes estudou com o filósofo George Edward Moore, cuja obra Principia Ethica exerceu profunda influência sobre sua concepção de valor. Moore defendia que a bondade é uma qualidade intrínseca, não redutível a interesses materiais, e essa ideia ressoou fortemente no pensamento keynesiano sobre os fins da atividade econômica e sobre o papel da moralidade na vida pública.

No entanto, antes de se tornar o autor de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), Keynes já havia demonstrado interesse em questões epistemológicas. Em sua obra A Treatise on Probability (1921), desenvolveu uma teoria do conhecimento probabilístico que antecipava, de certo modo, sua posterior concepção sobre a incerteza econômica. Para Keynes, a probabilidade não era uma simples medida estatística, mas uma relação lógica entre proposições baseada em graus de crença racionais. Essa abordagem o levou a reconhecer os limites da razão humana diante da complexidade dos fenômenos sociais, especialmente na economia, onde as decisões são tomadas com base em expectativas incertas e muitas vezes não mensuráveis. Essa percepção filosófica da incerteza tornou-se um dos pilares de sua crítica ao pensamento econômico clássico, que assumia a previsibilidade e a estabilidade dos mercados.

Destarte, a filosofia de Keynes sobre a incerteza e a ação humana teve implicações diretas em sua teoria econômica. Para ele, o comportamento dos agentes econômicos não podia ser explicado unicamente por cálculos racionais de maximização, pois o futuro é, em grande parte, desconhecido e incerto. Assim, as decisões de investimento e consumo são fortemente influenciadas por expectativas subjetivas, convenções sociais e, como ele mesmo denominou, “espíritos animais”. Essa dimensão psicológica e filosófica da economia o levou a propor uma nova compreensão do funcionamento do capitalismo, na qual o Estado deveria exercer um papel ativo para corrigir falhas e garantir o pleno emprego. Nesse sentido, Keynes uniu economia e filosofia moral ao afirmar que o propósito último da atividade econômica não é a acumulação de riqueza, mas a promoção do bem-estar e da liberdade humana.

Outrossim, a concepção keynesiana de Estado  reflete uma postura filosófica pragmática e humanista. Influenciado pelo liberalismo britânico, mas consciente de suas limitações diante das crises do capitalismo, Keynes buscou um caminho intermediário entre o laissez-faire e o planejamento centralizado. Para ele, a intervenção estatal era necessária não como forma de suprimir o mercado, mas de assegurar sua funcionalidade e estabilidade. Essa posição expressa uma ética de responsabilidade pública e uma visão filosófica que valoriza a prudência, a moderação e a adaptação às circunstâncias. O Estado, em sua perspectiva, é um instrumento racional da sociedade para reduzir as incertezas e ampliar as oportunidades de desenvolvimento coletivo.

Ademais da economia e da política, Keynes foi um pensador profundamente interessado na cultura e na civilização. Em ensaios como “As possibilidades econômicas para os nossos netos” (1930), ele projetou uma visão otimista sobre o futuro, imaginando uma sociedade em que o progresso técnico permitiria aos seres humanos dedicar-se menos ao trabalho e mais ao cultivo das artes, das relações pessoais e do pensamento. Esse ideal reflete a herança ética e estética de Bloomsbury, para quem a finalidade da vida não é apenas a eficiência, mas a realização plena da individualidade. Assim, sua economia não se limita a propor políticas de estabilização, mas busca, em última instância, criar as condições materiais para uma vida mais livre e criativa.

Por conseguinte, o ideário de Keynes se articula em torno de três eixos fundamentais: o reconhecimento da incerteza como elemento constitutivo da vida humana; a defesa de uma ética voltada ao bem comum e à realização pessoal; e a valorização da racionalidade prática como guia para a ação pública. Esses princípios o diferenciam tanto do determinismo econômico marxista quanto do otimismo mecanicista dos liberais clássicos. Ao colocar o ser humano e suas expectativas no centro da análise econômica, Keynes rompeu com a visão de que o mercado é uma entidade autônoma e autorreguladora. Em seu lugar, propôs uma economia política humanista, na qual o conhecimento filosófico e a sensibilidade ética desempenham papel tão importante quanto a técnica e a estatística.

Em epítome, é possível afirmar que Keynes representa uma síntese rara entre o economista e o filósofo. Sua obra combina a precisão analítica com uma profunda reflexão sobre os fins da vida social. Em tempos de crise e incerteza, ele buscou não apenas soluções práticas, mas também uma renovação moral e intelectual da civilização. Sua mensagem, ainda atual, é a de que a economia deve estar a serviço da humanidade, e não o contrário.

Por final, ao unir o rigor científico à imaginação filosófica, Keynes mostrou que pensar a economia é, em última instância, pensar sobre o destino humano.


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