Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
O desenvolvimento econômico é uma das áreas mais complexas e instigantes do pensamento social moderno. Desde o século XX, teóricos e formuladores de políticas públicas vêm tentando entender o que impulsiona o progresso econômico, quais os obstáculos enfrentados pelos países mais pobres e de que forma a intervenção do Estado ou do mercado pode alterar o destino das nações.
Nesse contexto, o livro "Nove Clássicos do Desenvolvimento Econômico", organizado por Wilson Cano, se apresenta como uma contribuição essencial para estudantes, pesquisadores e todos aqueles que buscam compreender os alicerces teóricos dessa área.
A obra é uma coletânea de ensaios que revisita nove autores fundamentais do pensamento desenvolvimentista, cujas ideias moldaram o debate econômico no século XX e continuam a influenciar discussões contemporâneas. Entre os pensadores abordados estão nomes como Celso Furtado, Raul Prebisch, Gunnar Myrdal, Albert O. Hirschman, e outros expoentes do chamado “pensamento do desenvolvimento”.
Cada capítulo do livro analisa a contribuição de um desses autores, situando seu pensamento no contexto histórico e político de sua produção intelectual, e discutindo sua relevância para os dilemas atuais dos países em desenvolvimento.
Um dos méritos da obra está na capacidade de demonstrar como o pensamento desenvolvimentista se desenvolveu em diálogo direto com a realidade histórica de países periféricos, particularmente na América Latina. Autores como Furtado e Prebisch desafiaram a hegemonia da teoria econômica clássica ao propor modelos que reconhecem as desigualdades estruturais do sistema internacional.
O conceito de “deterioração dos termos de troca”, à guisa exemplo, proposto por Prebisch, é um marco na análise da dependência dos países latino-americanos em relação às economias centrais. A ideia de que o crescimento econômico não se distribui de forma equilibrada entre centro e periferia foi revolucionária, e suas implicações continuam sendo debatidas até hoje.
No caso de Celso Furtado, o livro enfatiza sua abordagem original sobre o subdesenvolvimento como um processo histórico, não apenas uma etapa anterior ao desenvolvimento. Para Furtado, o subdesenvolvimento tem uma lógica própria, enraizada na herança colonial, na concentração de renda e na dependência externa.
Essa perspectiva o levou a propor políticas industriais ativas e planejamento estatal como instrumentos indispensáveis para romper com os padrões de estagnação econômica. Seu pensamento foi decisivo na formulação de estratégias como a da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), instituição que ele próprio ajudou a criar.
Outro autor de destaque no livro é Gunnar Myrdal, cuja análise do “círculo vicioso da pobreza” ajudou a iluminar os mecanismos de reprodução das desigualdades regionais. Para Myrdal, os mercados não operam necessariamente em favor da equidade ou da eficiência, especialmente em contextos em que as disparidades já estão cristalizadas. Sua defesa de intervenções públicas coordenadas e planejadas foi um contraponto importante ao liberalismo econômico, predominante nos centros acadêmicos do Norte global.
O livro também recupera o pensamento de Albert Hirschman, conhecido por sua visão sobre os “encadeamentos produtivos” e pela ideia de que o desenvolvimento requer não apenas investimentos, mas também a mobilização de capacidades locais. Hirschman criticava os modelos excessivamente mecanicistas e acreditava no papel da criatividade institucional, da aprendizagem social e da experimentação.
Sua proposta de estratégias “desequilibradas” de desenvolvimento sugeria que o progresso econômico poderia ser impulsionado por setores específicos que, ao crescerem, arrastariam outros setores consigo.
O ponto em comum entre todos esses autores é o reconhecimento de que o desenvolvimento econômico não pode ser reduzido a uma simples questão de acumulação de capital ou de livre funcionamento dos mercados. Há, em todos eles, a percepção de que fatores históricos, sociais, culturais e institucionais desempenham um papel central na trajetória dos países. A ênfase recai sobre a necessidade de políticas públicas planejadas, da construção de capacidades estatais e do fortalecimento das instituições nacionais.
Conquanto se tratar de autores cujas obras foram publicadas majoritariamente entre as décadas de 1940 e 1970, o livro mostra como suas contribuições permanecem atuais. Em tempos de globalização financeira, crises de dívida, e desafios como a desigualdade, a desindustrialização precoce e a mudança climática, o pensamento desenvolvimentista oferece chaves interpretativas indispensáveis para entender por que tantos países ainda lutam para alcançar um crescimento sustentável e inclusivo.
Ademais da relevância teórica, Nove Clássicos do Desenvolvimento Econômico tem o mérito didático de apresentar os autores de maneira acessível, sem perder o rigor conceitual. É uma excelente porta de entrada para estudantes e interessados em economia do desenvolvimento, política econômica e história do pensamento econômico. A obra também dialoga com debates contemporâneos sobre neodesenvolvimentismo, novo estruturalismo e o papel do Estado na era pós-neoliberal.
Em um momento em que o debate econômico é frequentemente polarizado entre ortodoxia fiscal e intervencionismo retórico, recuperar o pensamento desses autores é uma forma de buscar caminhos alternativos, ancorados em experiências históricas concretas e análises sofisticadas. O livro nos lembra que o desenvolvimento não é um processo natural ou inevitável, mas sim uma construção política, social e institucional – um projeto coletivo que exige reflexão crítica, vontade política e compromisso com a justiça social.
Por fim, Nove Clássicos do Desenvolvimento Econômico é mais do que uma homenagem aos grandes nomes da teoria do desenvolvimento.
É uma convocação para retomar o debate com seriedade, ousadia e profundidade. Ao revisitar esses clássicos, o leitor é desafiado a pensar para a par das fórmulas prontas, a considerar os contextos específicos de cada país, e a buscar soluções inovadoras para problemas antigos.
Em epítome, um ótimo livro, sem dúvida – não apenas pelo conteúdo, mas pela oportunidade que oferece de redescobrir o potencial transformador do pensamento crítico em economia.
O TEMPO jornal de fato desde 1989:
https://chat.whatsapp.com/IvRRsFveZDiH1BQ948VMV2
https://www.facebook.com/otempojornaldefato?mibextid=ZbWKwL
https://www.instagram.com/invites/contact/?igsh=4t75lswzyr1l&utm_content=6mbjwys
https://youtube.com/@otempojornaldefato?si=JNKTM-SRIqBPMg8w
Deixe seu comentário