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SOMOS SERES 'CULTIVADOS' PELO OUTRO

  • - Evandro Ricardo Guindani



Penso que nunca devemos querer ensinar nada a ninguém com relação a valores, crenças e atitudes...

O que podemos fazer é simplesmente relatar nossa experiência, aquilo que vivemos e sentimos, é o famoso "dar o exemplo"...

Por isso que já existe o ditado: "Se conselho fosse bom, a gente venderia...". Sim, porque quando aconselhamos estamos tentando de certa forma forçar o outro a seguir o que estamos dizendo...

Ao invés disso, partilhe sua experiência... É o que faço com minha filha Sofia, nunca imponho o que penso, eu apenas digo: "sobre isso, papai pensa assim, fazia assim..."

Por isso hoje quero falar um pouco de minha experiência com a religião, algo que hoje considero um espaço onde infelizmente estão se proliferando preconceitos contra homossexuais e outras minorias...

Nascido num pequeno distrito no interior de Santa Catarina fui sempre educado dentro do catolicismo... Naquela vila a Igreja Católica era o centro da vida das pessoas... Lá a frase latina "Extra Ecclesiam Nulla Salus" (Fora da Igreja não há salvação) era uma verdade absoluta... Os católicos sempre vigiavam a vida de todo mundo. Era muito comum ouvirmos a frase: "Olha lá, aquela família nunca foi à missa, devem ser pagãos, ateus..."

Quem vivia naquela vila sentia a cobrança para participar da missa todos os domingos...

Lá aprendi que a Igreja Católica era o centro do mundo...

E foi ali que eu nasci, cresci... O padre naquele lugar era a figura mais admirada... O padre era muito mais reconhecido do que o médico, advogado, engenheiro... Adolescente quer ser reconhecido, é próprio da idade... E aí o que vocês acham que aconteceu comigo? Em fevereiro de 1989 com apenas 14 anos entrei para o seminário...

Naquela terra em que nasci, o fruto que toda família queria colher era um padre ou uma freira... Tanto é que meu pai e minha mãe também viveram no seminário e no convento...

Somos "cultivados" como uma planta, no meio onde crescemos...

Aquilo que pensamos, acreditamos possui raízes muito profundas...

Por isso a dificuldade da mudança das crenças, das ideias...

Vasquez, um estudioso da ética nos fala da moral coletivista... Segundo ele quanto menor é o lugar onde vivemos e nascemos, maior é a pressão dos valores sobre nós... Pessoas que vivem e nascem em grandes metrópoles tem acesso a outros valores, convivem com culturas diferentes...

Por isso que quando cheguei na cidade de São Paulo em 1993 levei um grande susto... Andava na cidade tropeçando nas pessoas porque não parava de olhar para aqueles prédios...

E em São Paulo tive o prazer de conhecer meus queridos irmãos nordestinos, conviver com os negros nas favelas e cortiços, ministrar aulas na Febem, conviver com crianças pobres, sofridas e injustiçadas pela vida, crianças que foram "cultivadas" desde cedo para serem traficantes e bandidos...

Na favela e nos cortiços percebi que não haviam "vagabundos" como muitos me diziam, lá encontrei trabalhadores que acordavam às 4h30 para trabalhar e chegavam depois das 20h em casa, recomeçando a rotina no dia seguinte...

Convivendo lá "reaprendi a ver o mundo", como nos diz Merleau Ponty ao falar sobre o papel da filosofia na nossa vida...

Enfim naquela megalópole aprendi a rever e a repensar tudo aquilo que tinha aprendido até então... Lá começou o processo de destruição do meu castelo de certezas como nos aconselha o filósofo Descartes na sua obra "O Discurso do Método". Segundo ele devemos colocar por terra todas aquelas crenças que foram impostas pelos outros, que não nos pertencem...

Mas isso não foi alto tão simples...

Como abandonarmos algo que está ligado às nossas raízes? Que está ligado ao chão onde fomos cultivados? Complicado, muito complicado...

Amo a terra onde nasci, lá estão as pessoas que amo, lá estão minhas origens, das quais muito me orgulho! Porém uma coisa eu tenho certeza: minhas experiências com culturas e pessoas diferentes fizeram com que os valores humanos que recebi dos meus pais se tornassem mais profundos!

Um carinhoso abraço!

O meu amor interior saúda o amor que existe em você!

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Evandro Ricardo Guindani

Evandro é natural de Vargem Bonita-SC, graduado em Filosofia, Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Educação. Atualmente é Professor da Universidade Federal do Pampa em São Borja-RS


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