EUA: 220 ANOS DE DESCENTRALIZAÇÃO
Luiz Henrique da Silveira - Governador do Estado de Santa Catarina
Há exatos 220 anos, portanto, a Constituição norte-americana consegue equilibrar e harmonizar as tensões entre a tendência estadista, defendida por Thomas Jefferson, que queria grande autonomia política para os Estados membros da federação, e a tendência federalista, que lutava por um poder central forte, defendida por Alexandre Hamilton e George Washington.
Decorridos mais dois séculos de vigência do seu texto constitucional, com a eleição e posse de 43 presidentes da República, apenas 27 emendas foram acrescentadas aos seus oito (!) artigos originais. Um prodígio de estabilidade!
Modelo de concisão, ela, no entanto, sofria de grave defeito congênito: não acolhia um capítulo dedicado aos Direitos e Garantias Individuais, o que só veio a acontecer dois anos depois, com o chamado Bill of Rights, as primeiras dez emendas ao texto original.
Quando o jovem advogado francês, Alexis de Tocqueville, vindo de uma França de tradição centralista, foi buscar no Novo Mundo os remédios para os males do seu sangrento e tumultuado Velho Mundo, maravilhou-se com o que viu: uma nação efervescente, dinâmica, unida sob os mesmos propósitos e com um grau de homogeneidade e bem-estar que nunca vira.
De sua aguda capacidade de observação e análise sociológica resultou uma obra magistral - A Democracia na América -, que relata descobertas como esta: ?Nas grandes nações centralizadas, o legislador é obrigado a dar às leis um caráter uniforme que não comporta a diversidade dos locais e dos costumes?.
Sobre o federalismo: ?Basta lançar um olhar aos EUA para perceber todos os bens que decorrem para eles da adoção do sistema federativo. Não seria possível imaginar-se a que ponto essa divisão da soberania serve ao bem-estar de cada um dos estados de que se compõe a União.
Prosseguindo na reflexão sobre o caráter descentralizador, que emana do âmago da Constituição dos ?founding fathers? a União e os Estados, Tocqueville discorre, com grande precisão: ?A soberania da União é artificial; a soberania dos Estados é natural; existe por si mesma, sem esforços, como a autoridade do pai de família. (...) A soberania dos Estados envolve cada cidadão e a cada dia a toma em detalhe. É ela que se encarrega de garantir a sua liberdade, a sua propriedade, a sua vida; em todos os momentos, influi sobre o seu bem-estar ou a sua miséria?.
Sobre as virtudes do governo democrático e descentralizado: ?... faz o que o governo mais hábil muitas vezes não tem poderes para criar; faz propagar pelo corpo social uma atividade inquieta, uma força superabundante, uma energia que jamais existe sem ela e que, ainda que as circunstâncias sejam pouco favoráveis, podem produzir maravilhas?.
O que considero sua frase-síntese revela a um só tempo a grandeza do escritor e a agudeza do cientista social: ?A centralização pode concorrer admiravelmente para a grandeza passageira de um homem, nunca para a prosperidade durável de um povo?.
Luiz Henrique da Silveira - Governador do Estado de Santa Catarina
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