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20 anos da grande enchente

7 de julho ? 20 anos da grande enchente do Rio do Peixe.

"Aquele 7 de julho de 1983, amanhecia diferente... nas últimas horas, havia chovido copiosamente. Nas encostas do vale do Rio do Peixe se fixavam nuvens baixas, escuras. Antes das 6:30 da manhã eu já estava na Rádio Capinzal, buscando informações para meu programa de informações e interação com a região, que começaria às 8 horas e se estenderia até as 10. Naquele dia o programa começou mais cedo e terminou... bem mais tarde, aliás nem o terminei... de repente no início da noite a emissora saiu do ar por falta de energia elétrica... assim como ficou no escuro Capinzal, Ouro e toda a região. Aquele 7 de julho foi um dia de muitos apelos, de prestação de serviço, de socorro, de medo, de solidariedade e de destruição".

Assim relembra Ailton Viel, na época gerente da Rádio Capinzal AM de Capinzal, o dia 7 de julho de 20 anos atrás, quando a região foi sacudida pela maior enchente já registrada no Rio do Peixe. Viel, a exemplo de outros radialistas do Meio Oeste Catarinense que atuavam nos veículos de comunicação, teve um papel difícil naquele 7 de julho em comunicar sem sensacionalismo o que a natureza aprontava para os milhares de moradores ribeirinhos, distribuídos pelas cidades da região e após a catástrofe, encontrar forças e criatividade para imprimir ânimo a uma enormidade de pessoas perdidas, tristes, inconformadas, muitas sem teto para morar e outras preocupadas em como recomeçar, pois patrimônios enormes nas áreas comercial, industrial e de prestações de serviços, haviam desaparecidos.

Ailton Viel, que mantém um pequeno acervo fotográfico (retratos, pós 7 de julho), descreve com clareza aquele dia 7 de julho de 20 anos atrás e o "day afther" - o dia seguinte 8 de julho - e algumas conseqüências que a enchente proporcionou, algumas momentâneas e outras sentidas até hoje ao longo do Vale do Rio do Peixe. Vejamos o que escreve Viel:

7 de julho de 1983

Às 6 horas da manhã, acordo com um telefonema do prefeito Celso Farina, dizia ele: preciso de ajuda da rádio, o rio está subindo rápido e temos que chamar todos os funcionários da prefeitura disponíveis para socorrerem as famílias, que provavelmente serão desalojadas na rua Beira Rio. Ali residiam mais de 100 famílias distribuídas em mais de 90 residências. (Como veremos mais tarde... tudo desapareceria à noite daquele dia 7, levado pelas águas.) Imediatamente fui verificar a situação, o rio já saia de seu leito normal. Já se avistava movimento de alguns caminhões se aproximando das residências, pessoas correndo e outras tantas inertes, paradas, olhando para o rio, com ares de indagação: Será que ele irá continuara subindo?

Com está primeira visão retorno à rádio, onde busquei as primeiras informações, via telefone, com companheiros das rádios Catarinense de Joaçaba, Líder de Herval D?Oeste, Videira de Videira e Caçanjurê de Caçador, sobre o nível das águas do rio e o comportamento do tempo naquelas cidades. Em todas chovia muito e o rio continuava a subir. Subindo na cabeceira do rio, e pela situação naqueles momentos em Capinzal, previam-se futuros momentos de dificuldades.

As primeiras informações que levei ao ar, antes das 7 horas, retratavam a situação local e regional e atendi o pedido do prefeito Farina, para que os funcionários públicos municipais de Capinzal, se dirigirem às margens do rio, exatamente na rua Beira Rio, para prestarem se necessário os primeiros socorros. Do município de Ouro o prefeito Domingos Boff, via telefone entrou no ar e também conclamou seus funcionário para estarem na prefeitura, pois já estavam ocorrendo quedas de barreiras em rodovias do interior e as águas do rio poderiam chegar às garagens onde estavam estacionados os veículos e equipamentos de seu município.

Antes das 8 horas, tínhamos um mapa da situação que se tornava mais crítica a cada momento. O comerciante Saul Parizotto, um dos proprietários da emissora á época, solicitou que abríssemos uma campanha de auxílio às pessoas que certamente ficariam desalojadas. Abriu a lista de adesão (com valores em torno de 500 reais de hoje), que não prosperou pois os problemas que surgiam na medida em que o dia avançava foram enormes e as necessidades maiores ainda.

O rio não parava de subir e a chuva continuava em todo o vale.Os pedidos por socorro, não paravam de chegar à rádio.

As águas inicialmente passaram a tomar os porões das residências mais próximas ao rio, e clamava-se por caminhões para o transporte de mudanças. O Rio Capinzal que corta o centro da cidade e desemboca no Rio do Peixe, foi sendo represado e suas águas subiam a medida em que subiam as águas do Peixe. Famílias, comerciantes e empresas prestadoras de serviços passaram a ter seus imóveis alagados também neste outro ponto da cidade. Passei a manhã toda prestando informações aos meus ouvintes e buscando também noticias, acessando via telefone os colegas das emissoras do vale, para saber do comportamento do tempo e nível do rio e abrindo canal para a comunidade se manifestar e também para as prefeituras que organizavam grupos de auxílio, instituíam as defesas civis. As estradas e rodovias da região começaram a apresentar problemas. O transporte de aves para o abate na empresa Perdigão começou a ser afetado. Os caminhões encontravam dificuldades nas estradas do interior ? por volta das 12 horas o transito na SC-303 foi interrompido ? o centro de Lacerdopolis estava tomado pelas águas e barreiras haviam caído entre Lacerdopolis e Joaçaba. O tráfego de veículos ligando Capinzal/Ouro a região de Joaçaba, foi desviado para o interior do município de Ouro, via Santa Lucia/Jabora. Por este trajeto deu tempo de chegar em Capinzal no meio da tarde um caminhão de leite encomendado sabiamente pelo prefeito ao Laticínio Tirol de Treze Tílias na metade da manhã. O caminhão foi um dos últimos a também transitar por aquele acesso. O leite foi estocado em uma câmara fria da Perdigão, e nos dias seguintes foi distribuído para as famílias desabrigadas que eram alojadas em residências de amigos, parentes ou então no Ginásio de Esportes e no Salão Paroquial.

No Salão Paroquial se improvisou um refeitório para alimentar os desabrigados. Muitas senhoras, espontaneamente, se propuseram a ajudar na cozinha. A população do interior foi chamada para colaborar com a alimentação e respondeu, trazendo para a cidade: frutas, verduras, carnes, arroz , feijão.

No início da tarde muitos caminhões carregados de mudanças estavam estacionados na rua Nereu Ramos, longe do alcance das águas, que subiam cada vez mais. Às 15 horas, quando sai da emissora para fazer um lanche, pude constatar que a Central Telefônica, começava a ser alagada e todas as mais de 90 residências da rua Beira Rio sendo engolidas pelo rio. Via-se que o movimento de caminhões agora se voltava a atender as casas comerciais. Lojistas e funcionários com ajuda de muitas pessoas passaram a retirar os estoques das lojas. Corrida por lonas, cordas...

A chuva caia constantemente sem trégua. Sobre a ponte Irineu Bornhausem, muita gente presenciava as águas levarem: troncos, árvores, madeira beneficiada, bujões de gás, casas, animais, colhidos rio acima. Pouco antes das 17 horas o sistema de telefonia foi interrompido, já não tínhamos comunicação local e nem com as demais cidades da região. Equipes de funcionários da CELESC subiam em postes e cortavam o fornecimento de energia. Às 18 horas fomos comunicados que não teríamos muito tempo para prestar serviços, pois também ficaríamos sem energia. Às 18:15 as ruas centrais, Ernesto Hachamann e 15 de novembro começaram a alagar. Outras ruas centrais como: Dona Linda Santos, Dom Vicente Gramazzio, Narciso Barison e Maria Angélica Almeida naquele momento já estavam totalmente alagadas e a correria no início da noite era enorme. Em Ouro a situação não era diferente, principalmente nas residências e casas comerciais das ruas Felipe Shmidt e Jorge Lacerda.. Pouco antes das 19 horas as duas cidades escureceram, era interrompido por completo o fornecimento de energia.

Com a chegada da noite e a cidade foi invadida por fracas luzes de lanternas e velas, que se moviam contrastando com os faróis de veículos, que endereçavam seus fachos de luzes em direção das águas. Medos e incertezas pairavam no semblante de todas as pessoas. Rumores surgiam de que a ponte Irineu Bornhausem, que liga Ouro a Capinzal, não suportaria a correnteza do rio e poderia ruir. Pouca gente depois das 21 horas, se atreveu a atravessá-la. A ponte pênsil, pouco abaixo, já estava destruída.

Uma noite de destruição, gritos, lamentos e vigília

As 21:30 chego em casa para trocar à roupa completamente encharcada pela chuva que cessou pouco antes das 19 horas, e sou recebido pela minha irmã Ailce, grávida de vários meses, que residia no vizinho município de Ouro, "Vou ficar esta noite em tua casa, se ocorrer o pior (referindo-se a ponte - caso viesse a cair) e eu tiver que ter o bebe, já estou aqui em Capinzal, pois lá em Ouro não tem hospital e nem medico".

Retorno para áreas próximas ao rio. O centro da cidade esta todo alagado. Aproximo-me das pessoas que presenciavam com auxilio de lanternas e ouviam da rua Ernesto Hachamann, proximidades do frigorífico de embutidos da Perdigão a fúria das águas que estouravam as residências da rua Beira Rio. Estalos, seguidos de um estrondo abafado. Rapidamente seguia rio abaixo uma casa, outra, mais outra. Espanta-me aquilo tudo e faço coro com os que lamentam, gritam e choram ao meu lado.

O dia seguinte - o retrato de um pesadelo

Naquela noite a população das áreas centrais de Ouro e Capinzal não dormiu. Fizeram vigília. O rio subiu até o início do dia 8. A meia noite e meia ele começou a baixar. Nas esquinas das ruas 15 de Novembro com Ernesto Hachmann, praça Pedro Lélis da Rocha, largo do Terminal Rodoviário, Central Telefônica e Estação Ferroviária o rio subira 4 metros acima da pavimentação da das ruas.

Clareava o dia 8 de julho, não chovia mais. Ouro e Capinzal a exemplo das cidades do vale do Rio do Peixe e das cidades do Vale do Rio Itajaí-Açu, Rio Iguaçu, Pelotas, Canoas, Uruguai passavam a contabilizar as perdas provocadas pela maior enchente da história.

Em Capinzal 96 residências desapareceram das margens do rio na rua Beira Rio. 116 famílias desalojadas. Centenas de outras famílias desabrigadas. Praticamente todo o centro comercial da cidade invadido pelas águas. Produtos e estoques perdidos. Sistema telefônico destruído, prejuízos incalculáveis.

A difícil reconstrução

O sistema de fornecimento de energia elétrica foi rapidamente restabelecido. Demorou em entrar em operação o sistema de telefonia. O governo de São Paulo enviou para Capinzal e Ouro equipe técnica da COPEL para recompor todo o sistema destruído. Ao final dos trabalhos a comunidade brindou os operários com jantar na SERP. Na oportunidade recebi um capacete de um dos técnicos como lembrança. Empregados puderam retirar o FGTS de suas contas bancárias. O governo municipal imediatamente adquiriu uma gleba de terra para construir as residências dos desabrigados. A Eletrosul disponibilizou do canteiro de obras da Usina de Foz do Areia no Paraná, varias casas e doou para o município. Formaram-se equipes de homens para lá, desmanchá-las e posteriormente reconstruí-las em Capinzal. Estava criada a Vila 7 de Julho na Cidade Alta - nome sugerido e aceito pela comunidade pelo então Secretário de Administração da época Edgar Lancini. Lá foram alojadas famílias que perderam suas casas na rua Beira Rio. A rua desapareceu, como também aquele núcleo habitacional e no local (40mil m2 de terreno) criou-se a área de Lazer de Capinzal. Os pilares da Ponte Irineu Borhausem receberam injeções de epóxi, para garantia de sua estrutura. A estrada de ferro foi duramente atingida naquele dia 7 de julho em toda a sua extensão já que os trilhos estavam plantados paralelamente e bem próximos ao rio. Os trens não circularam mais. Nós no rádio, passamos dias e dias, ajudando, informando, incentivando a região até ela se mostrar reconstruída. A solidariedade surgiu como o sol que retornou logo depois da catástrofe. Não posso esquecer o sistema de comunicação com radio amadores implantado em cadeia com a Rádio Capinzal, unidades estavam instaladas em veículos, nas prefeituras, nos bairros e diariamente os radioamadores ofereciam seus serviços, pois já dissemos, a telefonia convencional demorou 45 dias paras estar completamente restabelecida. A Cadeia da Solidariedade, criada após a enchente, entre as emissoras do Vale com apoio de inúmeros colegas de trabalho, foi inédito e não se repetiu . Sem telefone, marcávamos horários para entrar em cadeia. Captávamos o som de Joaçaba e jogávamos no ar, de lá chegavam os avisos, as informações que retransmitíamos e em seguida eles entravam no ar com o nosso som, com as nossas informações. Assim se deu também com as emissoras de Videira, Caçador, Herval D?Oeste. Aqueles dias jamais serão esquecidos. Fazem parte do retrato de vida de nossa gente.

Ailton Viel é atualmente assessor de Comunicação Social da Prefeitura de Capinzal e produz e apresenta de segundas às sextas-feiras das 7:30 as 9;00 horas na Radio Capinzal o programa jornalístico Enfoque Geral.

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