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BOLERO, DE RAVEL - OBRA IMPRESSIONANTE

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Crítico de Arte

                                                      

Isagogicamente, Maurice Ravel, um dos grandes compositores franceses do século XX, criou em 1928 uma das obras mais icônicas e singulares da música clássica: o *Bolero*. A peça, inicialmente concebida como um balé para a dançarina russa Ida Rubinstein, transcendeu os palcos de dança e se tornou uma das composições orquestrais mais conhecidas e executadas em todo o mundo. Seu impacto está na simplicidade e no uso magistral da orquestra para criar um crescendo que prende a atenção do ouvinte do início ao fim.

Outrossim, o “Bolero” é uma peça curiosa. Com duração aproximada de 15 minutos, é construído sobre uma única melodia repetida incessantemente ao longo da obra, sem variação harmônica significativa. O que faz o *Bolero* ser impressionante não está em sua complexidade melódica ou harmônica, mas sim na maneira como Ravel explora a textura orquestral, aumentando a intensidade a cada repetição. A obra começa de forma sutil, com o tema sendo apresentado suavemente pelos instrumentos de madeira, como a flauta e o clarinete, sobre um ritmo constante tocado no tambor.

Destarte, tal padrão rítmico, uma espécie de ostinato, persiste de forma inabalável do início ao fim, criando uma base sólida sobre a qual a orquestra se expande gradativamente.

Ravel, que era um mestre na arte da orquestração, utiliza cada seção da orquestra de forma estratégica. A cada repetição do tema, novos instrumentos são adicionados ou substituídos, proporcionando variações na cor e na textura sonora. O uso criativo dos metais, à guisa de exemplo, introduz uma sensação crescente de tensão. Aos poucos, a música vai se tornando mais vibrante, mais rica, até atingir seu clímax impressionante com toda a força da orquestra unida. Este momento culminante, de imenso impacto emocional, é ao mesmo tempo simples e grandioso, uma das razões pelas quais o “Bolero” continua a fascinar plateias ao redor do mundo.

Uma das curiosidades sobre o “Bolero” consiste em que Ravel, em suas próprias palavras, o considerava uma "experiência orquestral" e chegou a dizer que se surpreendia com o sucesso da obra. Para ele, a composição não tinha a profundidade que se esperaria de um trabalho destinado a grandes reflexões. No entanto, talvez tenha sido justamente essa simplicidade – combinada com a maestria técnica – que cativou tanto o público. O *Bolero* é, acima de tudo, uma obra de contraste entre constância e mudança: enquanto o ritmo e a melodia permanecem imutáveis, a textura e a intensidade se transformam radicalmente ao longo do tempo.

A peça também evoca um certo caráter hipnótico. A repetição incessante do tema, acompanhada pelo ritmo constante, cria uma sensação quase de transe, como se o ouvinte fosse levado em uma jornada inevitável em direção ao seu ápice. A essa experiência auditiva somam-se as sensações de expectativa e tensão, que aumentam à medida que a obra progride.

Em epítome, o “Bolero” de Ravel é uma obra-prima de orquestração e dinâmica. Sua impressionante capacidade de prender a atenção do público, de conduzir o ouvinte por uma progressão contínua sem jamais perder o foco, faz dela uma das peças mais emblemáticas da música clássica. Mesmo aqueles que não têm familiaridade com a obra de Ravel provavelmente já ouviram o “Bolero” em filmes, comerciais ou outros meios, tamanho é o seu impacto cultural.

Por final,  ao transformar um tema simples em algo tão monumental, Maurice Ravel criou uma obra verdadeiramente impressionante, cuja relevância e poder permanecem inabaláveis quase um século após sua criação.

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