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Municipalismo forte tem como pressuposto municípios autossustentáveis, diz presidente do TCE-SC

  • Douglas Santos/TCE-SC - Novo presidente do TCE-SC, Adircélio de Moraes.

ENTREVISTA - PARTE I Adircélio de Moraes Ferreira Júnior expõe seu posicionamento sobre a fusão de municípios catarinenses e as dificuldades em obter informações junto ao governo

Por Andréa Leonora

 

Adircélio de Moraes Ferreira Júnior nasceu em Belo Horizonte (MG), mas hoje vive e atua profissionalmente em Florianópolis (SC). Com 44 anos, assumiu a tarefa de presidir o Tribunal de Contas do Estado, o TCE-SC, órgão que faz parte do Judiciário e tem um papel bastante específico: manter na linha os poderes executivos do Estado e dos municípios. O TCE-SC ajuda as câmaras de vereadores e a Assembleia Legislativa na fiscalização das finanças e da destinação dos recursos públicos, alertando para erros e impedindo desvios.

 

Uma das preocupações do conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Jr, presidente do TCE-SC para o biênio 2019/2020, é garantir a autossuficiência financeira dos municípios. Nessa esteira, surgiram informações sobre a necessidade de fusão de cidades catarinenses com população inferior a cinco mil habitantes. Porém, não é tão simples assim. E é sobre a complexidade da situação que o presidente do TCE-SC fala nesta entrevista. Ele também trata das obras paradas e das renúncias fiscais, que já trata como uma possível 'Caixa de Pandora'.

 

Confira a seguir a primeira parte da entrevista com o novo presidente do TCE-SC.

 

 

O que motiva o TCE-SC a pensar na fusão de municípios com menos de cinco mil habitantes?

Adircélio de Moraes Ferreira Júnior - Esse assunto deve ser analisado dentro de um contexto maior, que envolve o federalismo e isso tem reflexo no municipalismo. A gente entende que um municipalismo forte tem como pressuposto municípios autossustentáveis. Por que esse debate é oportuno? Porque há em tramitação no Congresso Nacional propostas de lei que tendem a flexibilizar a criação de mais municípios. A principal abordagem desse debate é reletir sobre a questão de mais municípios. Esse é o primeiro enfoque. O segundo é dentro da estrutura municipal atual, quais medidas podemos adotar, no sentido de caminharmos para a autossustentabilidade dos municípios existentes? A área técnica do Tribunal fez um estudo sobre esse assunto, que ainda não foi debatido e não passou pelo Plenário, mas que achei muito interessante, porque aborda vários fatores, vários aspectos, e cuja conclusão é de que havia 105 municípios com menos de cinco mil habitantes que não seriam sustentáveis. E falou-se ali em fusão.

 

Todos esses 105 municípios não são autossustentáveis?

Adircélio Ferreira - Isso. A principal fonte de receita desses municípios é o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Não têm arrecadação própria e não se justificam do ponto de vista das contas públicas e fiscal. Não têm autossuficiência para bancar suas despesas. Tem município que foi criado recentemente e até hoje nunca teve as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas. Fica bem evidente essa questão da falta de sustentabilidade. Não deveria, então, ter sido criado. A ideia, mesmo antes de assumir a presidência, era pegar esse estudo, autuar o processo, e levar ao Plenário para o debate. E a ideia do debate é que não seja feito somente no Tribunal. Devemos abrir audiências públicas, promover seminários públicos. Pensar em fusões seria a última etapa de um longo processo, até porque antes das fusões temos que pensar na atuação dos consórcios de municípios, por exemplo, para tentar fazer esse equilíbrio, para poder barganhar nas compras, em serviços, área de saúde...

 

É um debate que extrapola o espaço do TCE-SC então?

Adircélio Ferreira - Exatamente. Essa discussão não pode ser feita apenas sob o aspecto das contas públicas. Ela tem vários fatores que escapam até da expertise do Tribunal. Existem fatores históricos, sociológicos, culturais, humanos. Qual o impacto no cidadão com relação à sua identidade, por exemplo, em uma eventual fusão? Isso a gente não analisa. Mas, num debate público, a gente pode trazer esses temas. Agora eu penso que a grande virtude desse debate é a gente romper um tabu. Porque isso não é discutido. E se a gente não discutir isso hoje, é capaz de amanhã a gente acordar com mais municípios, sem condições de manterem serviços básicos. Muito provavelmente a gente vai aprofundar aquele estudo, porque aquele foi um estudo econométrico, feito basicamente do ponto de vista da arrecadação, das finanças. E mesmo sob esses aspectos, tem variáveis que a gente pode trabalhar, como a estrutura dos municípios. Quantas secretarias têm? Não seria o caso de fundir secretarias? E a quantidade de vereadores? A quantidade de servidores nas Câmaras?

 

Há municípios onde se fala em aumentar o número de vereadores.

Adircélio Ferreira - E será que se justifica? Quando a gente levantou esse debate, não foi focando na fusão. Foi primeiro em evitar a criação de mais municípios. Segundo, na análise da estrutura atual dos municípios existentes. O que se pode enxugar? E na questão da arrecadação própria. Isso é muito comum: o poder político local não quer se indispor com o poder econômico local. Então, o que faz? Não institui os tributos que deveria, não revisa a planta genérica do IPTU, por exemplo. Porque isso gera um desgaste que se reflete nas urnas. E o que a gente tem que fazer, como órgão de controle que também foca na receita pública? Cobrar dos gestores a instituição dos tributos que são devidos por competência constitucional, a estruturação e o aparelhamento da sua administração tributária, tanto os órgãos de fiscalização tributária quanto a execução fiscal por parte da procuradoria municipal. Isso está funcionando bem ou só existe de fachada? Se é que existe.

 

Não é um processo que começou e que acaba logo...

Adircélio Ferreira - Não, não é. Até porque o Tribunal de Contas não decide sobre a fusão de municípios. O que a gente está promovendo é um debate, e ao final desse grande debate público, o Tribunal deve encaminhar suas conclusões. Quais são? A gente não sabe.

 

Mas encaminha para onde? Quem decide isso? O Executivo? A Assembleia?

Adircélio Ferreira - Primeiro, as populações envolvidas, que têm que ser ouvidas em um processo de plebiscito. Ao final, vai para a Assembleia Legislativa. Mas essa é uma discussão que tem que ser feita por toda a sociedade catarinense, pelas autoridades locais, além das populações envolvidas, o parlamento local, os prefeitos, os deputados que representam aquela região. É um debate da sociedade. A gente tem que promover esse debate público, crítico, sem paixões. E o papel do Tribunal de Contas que eu enxergo é o de promover esse debate. A fusão é uma solução? Talvez uma das últimas. Até porque, politicamente, é das mais difíceis. Todo mundo é a favor da fusão dos municípios, mas quando chega no seu município, a posição muda.

 

Qual o próximo passo?

Adircélio Ferreira - A gente vai entregar esse estudo para o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, já que a preocupação nossa, primária, é a eventual criação de novos municípios. Acreditamos que agora não é o momento. Já protocolamos o pedido de agenda. A ideia é que Santa Catarina consiga puxar esse debate, que ele vá crescendo. Que chegue ao Congresso, que ganhe contorno nacional. Eu sou diretor de Aprimoramento de Controle da Associação dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Estou provocando meus pares para a gente levantar essa bandeira nacionalmente. Inclusive, para essa entrega ao Rodrigo Maia, já convidei o presidente da Atricon, Fábio Nogueira, e ele tem interesse. Vamos acertar uma data conjunta.

 

Vocês já têm recebido reações a esse estudo?

Adircélio Ferreira - Várias. De todo tipo, positivas e negativas. Existem municípios na lista que aparentemente não são autossustentáveis hoje, mas há um potencial de sustentabilidade. Tem que analisar não a situação estática, mas enxergar o potencial pra frente. Tem municípios com mais de cinco mil habitantes que talvez fosse o caso de fundir. Por exemplo, recebi a visita de um vereador de Camboriú pedindo um parecer técnico do Tribunal de Contas, dentro desse contexto do municipalismo, para avaliar a viabilidade da fusão de Balneário Camboriú e Camboriú, só que agora no sentido inverso. Balneário saiu de Camboriú e ele gostaria que Camboriú fosse incorporada por Balneário. Ele alega que Camboriú tem 80 mil habitantes, as pessoas trabalham em Balneário, gastam em Balneário e voltam para dormir. Camboriú virou uma cidade dormitório. Existe um passivo, um gasto de se manter a estrutura e que seria melhor ser absorvido por Balneário. É uma polêmica. Ele é minoria lá, mas não deixa de ser uma voz.

 

Aí seria plebiscito. Da mesma maneira que se decide a emancipação.

Adircélio Ferreira - Exatamente. É um tema complexo. Não há soluções simplistas para temas complexos. A ideia é debater. Não temos a pretensão de sermos os donos da razão.

 

Como é que a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) recebeu essa possibilidade?

Adircélio Ferreira - É a favor do debate. Sobre os encaminhamentos de fusão, eles enxergam maior dificuldade, acham que tem que ser analisado caso a caso, e que só um ou outro município deve se fundir.

 

 

Também há preocupação do TCE-SC sobre renúncia fiscal?

Adircélio Ferreira - Existe essa preocupação. Hoje, a Divisão de Administração Tributária (DIAT), da Secretaria da Fazenda, simplesmente tem negado acesso ao Tribunal de Contas a essas informações, sob a alegação de sigilo fiscal. A gente não concorda com isso, somos um Tribunal de Contas e já tínhamos decidido, no ano passado, que se não tivéssemos acesso a essas informações iríamos buscar pela via judicial. Como tivemos um fato novo, que foi a eleição do governador Moisés...

 

Mais de dois meses e nada? O que esperam encontrar ali?

Adircélio Ferreira - O que eu noto é que ainda há resistência forte na DIAT. Vai ter que ser de cima para baixo. O governador vai ter que determinar, porque se for de baixo para cima não vem. A gente estava falando em caixa preta, mas depois da declaração do secretário Paulo Eli, de benefício de gaveta e tudo o mais, não sei se já não se pode falar em uma possível Caixa de Pandora.

 

Ele falou abertamente, na Assembleia Legislativa, não só dos contratos de gaveta, mas que desconhecia alguns desses processos...

Adircélio Ferreira - Falou abertamente. Não sou eu que estou dizendo. Falo a partir da declaração dele. A gente tem certa dificuldade de entender essa restrição de acesso a dados para o Tribunal. E quando a gente alia toda essa dificuldade com declarações de benefício de gaveta, aí ganha força essa figura da Caixa de Pandora. Qual a ideia do Tribunal? Primeiro, analisar os critérios de concessão dos benefícios fiscais. Não somos contra os benefícios fiscais. São instrumentos importantíssimos de política econômica e fiscal para fomentar determinado segmento, determinada região. O que queremos é saber quais os critérios para a concessão desses benefícios

 

Foi o que o TCE-SC encaminhou ano passado, determinando que eles passem a responder isso?

Adircélio Ferreira - Exatamente. Qual a avaliação desses benefícios? Que retornos estão trazendo? Os retornos esperados, concretizados? Essa avaliação está sendo feita? Queremos ver também. Queremos fazer também uma avaliação. Outra coisa importante, com relação à DIAT, é que, quando ela nega as informações, não é só sobre renúncia fiscal. Hoje, já temos acesso às notas fiscais eletrônicas daqueles que fornecem para o poder público.

 

Quais outras informações também estariam sendo negadas?

Adircélio Ferreira - Por exemplo, vamos pegar o campo de medicamentos. As empresas vendem medicamentos para o setor público por um determinado preço. Precisamos de acesso a todas as notas fiscais para montar um banco de preços e verificar por quanto essas distribuidoras estão vendendo para o setor privado. A gente suspeita que é um valor bem menor. Hoje, a Secretaria da Fazenda tem essas informações e não as usa. Porque a Secretaria da Fazenda é órgão de arrecadação e não de controle. A DIAT nega acesso até ao órgão de controle, que está dentro da estrutura da Secretaria da Fazenda. Nega para si própria a informação. Seria menos ruim se eles ao menos montassem um banco de preços. O Estado precisa ter informações embasadas para dizer 'não vou aceitar esse preço porque você vende para o setor privado por uma média muito menor. Ou para outro estado'. Então esse é outro enfoque. O banco de preços é questão crucial para o Tribunal de Contas. A Fecam também reclama da Secretaria da Fazenda, porque a DIAT não está passando para os municípios as informações que eles têm da Dedred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito), mesmo com o convênio para que sejam repassados esses dados aos municípios para eles possam fiscalizar o seu ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza).

 

Isso vai ser levado para o governador?

Adircélio Ferreira - Isso já foi levado. A ideia é, quando abrir o sigilo, a gente também montar o banco de preços, já que eles não montam. Temos estrutura para isso. Não só temos como estamos aprimorando nossa unidade de Inteligência, que hoje é um núcleo, mas vai ganhar musculatura e vai se transformar em uma Diretoria, dando apoio a todas as outras diretorias da Casa. A gente quer uma atuação instantânea do Tribunal de Contas, uma atuação imediata, com cruzamento de dados, inteligência artificial, aprendizagem de máquina. Queremos investir muito nessa parte da tecnologia da informação.

 

Não é para perseguir, mas para fiscalizar e dar as soluções...

Adircélio Ferreira - O Tribunal é um órgão parceiro do bom gestor. Primeiramente é a gente detectar e apontar caminhos. E se nesse trabalho a gente encontrar má fé, corrupção, irregularidades, e a gente sabe que encontra, aí tem que punir, como deve ser punido, buscar representar, na matéria criminal, para o Ministério Público, atuando em conjunto com os outros órgãos de controle.

 

 

Qual o prazo que o senhor dará para o Estado apresentar as informações que o TCE vem solicitando sem sucesso?

Adircélio Ferreira - Vamos encaminhar uma proposta de minuta de Termo de Cooperação fundamentado com parecer nosso, já que o parecer da DIAT veio negando, no final do ano passado. E tem um parecer da PGE (Procuradoria Geral do Estado), que foi feito em conjunto, que nos dá certo acesso, mas não como gostaríamos. Já veio uma minuta para assinarmos, mas não concordamos e não assinamos. Acredito que no máximo em dois meses teremos um resultado. Senão, vamos buscar a Justiça.

 

Por que isso ainda não foi feito?

Adircélio Ferreira - Temos um problema hoje que é a falta de uma representação judicial no TCE. Dependemos da PGE. E a PGE está vinculada ao governo. Temos um parecer da PGE que nos dá acesso, mas não completo. Então, temos que buscar um mecanismo, que estamos em discussão, de termos uma representação judicial. Alguns Tribunais de Conta têm sua própria Assessoria Jurídica. No passado, tivemos embates com a Assembleia Legislativa. Mandamos um projeto de lei que foi totalmente desfigurado, fizeram um contrabando legislativo, diminuindo poderes do Tribunal de Contas. Não tivemos quem nos defendesse. O governador disse que lavaria as mãos, que a Assembleia era o patrão do Tribunal de Contas. Uma declaração das mais infelizes. Quem nos salvou foi a Atricon, que entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal (STF) e o STF suspendeu toda a proposta, à exceção do único artigo que havíamos mandado para eles, que era o que a gente queria. Ou seja, quem tem feito nossa defesa é a Atricon.

 

E o senhor pretende resolver isso na sua gestão?

Adircélio Ferreira - Sim. A gestão anterior tomou uma medida importante que foi criar o escritório da PGE dentro do Tribunal de Contas. É um caminho, mas não sei se é o melhor. Talvez a solução seja montar uma Procuradoria Jurídica, uma estrutura pequena na Casa, dois procuradores, um geral e um adjunto, para que possam fazer essa defesa.

 

 

 

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