Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
Preliminarmente, a Filosofia Política se constitui em ramo da Filosofia que se dedica à reflexão crítica sobre os fundamentos, as estruturas e os fins da vida coletiva, sobretudo em relação ao poder, à justiça, à liberdade e à autoridade. Desde os primeiros filósofos da Antiguidade até os pensadores contemporâneos, essa disciplina tem sido essencial para compreender não apenas a organização das sociedades, mas também os princípios que legitimam as ações dos governos e os direitos dos cidadãos.
Em um mundo marcado por crises políticas, desigualdades sociais e disputas ideológicas, a Filosofia Política permanece subárea vital de investigação e debate.
Desde Platão, a questão sobre o que constitui uma sociedade justa ocupa o centro da reflexão filosófica. Em sua obra "A República", Platão constrói uma cidade ideal, regida pela razão e governada por filósofos-reis. Para ele, a justiça consiste em cada classe da sociedade desempenhar sua função natural em harmonia com as demais.
Destarte, Aristóteles, seu discípulo, propõe outra abordagem em "A Política", argumentando que o ser humano é um animal político por natureza e que a cidade (polis) é o espaço necessário para a realização plena da vida ética. Aristóteles não busca um modelo ideal, mas observa as formas reais de governo e propõe uma tipologia que inclui monarquia, aristocracia e democracia, distinguindo entre formas justas e corrompidas de governo.
Outrossim, na modernidade, com o surgimento dos Estados-nação e a fragmentação da autoridade religiosa, a Filosofia Política ganha novas formas e desafios. Thomas Hobbes, em "Leviatã", defende que, no estado de natureza, os indivíduos vivem em constante conflito, sendo necessária a criação de um poder soberano absoluto para garantir a paz e a segurança.
Para ele, os indivíduos renunciam a parte de sua liberdade em favor de um governo que lhes ofereça proteção. John Locke, por outro lado, apresenta uma visão mais otimista do ser humano. Em "Segundo Tratado sobre o Governo Civil", argumenta que os indivíduos possuem direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade, e que o poder político deve ser limitado e legitimado pelo consentimento dos governados.
De outro vértice, Jean-Jacques Rousseau, com sua obra "O Contrato Social", leva a discussão a um novo patamar ao propor que a liberdade só é possível quando o indivíduo obedece às leis que ele mesmo ajudou a criar. A ideia de vontade geral, central em seu pensamento, busca conciliar liberdade individual com participação política. Rousseau antecipa temas caros à democracia moderna, como a soberania popular e a igualdade política, embora sua visão de democracia direta seja difícil de implementar em sociedades complexas.
No século XIX, a Filosofia Política é profundamente marcada pelo surgimento do pensamento socialista e pela crítica ao liberalismo clássico. Karl Marx, em parceria com Friedrich Engels, desenvolve uma análise radical das estruturas sociais, econômicas e políticas. Para Marx, a política é inseparável da economia, e o Estado é uma superestrutura que serve aos interesses da classe dominante. A proposta marxista de superação da luta de classes por meio da revolução proletária inaugurou uma nova forma de pensar o poder e a justiça, que influenciaria profundamente o século XX.
Ademais, com o advento das grandes guerras, os totalitarismos e os processos de descolonização, a Filosofia Política contemporânea se volta tanto para a crítica dos regimes opressivos quanto para a reconstrução dos ideais democráticos. Autores como Hannah Arendt, Isaiah Berlin, John Rawls e Michel Foucault oferecem perspectivas diversas, mas igualmente relevantes. Arendt analisa o totalitarismo e defende a importância da ação política livre e plural. Berlin distingue entre liberdade negativa e positiva, alertando para os perigos de interpretações autoritárias da liberdade. Rawls, em "Uma Teoria da Justiça", propõe um modelo de justiça baseado na imparcialidade e na equidade, utilizando a metáfora da "posição original" para justificar os princípios que estruturam uma sociedade justa.
Michel Foucault, por sua vez, desconstrói a noção tradicional de poder, argumentando que o poder não é apenas repressivo, mas produtivo, estando disseminado em múltiplas instituições e práticas sociais. Sua genealogia do poder permite uma leitura crítica das formas contemporâneas de dominação, muitas vezes ocultas sob o manto da normalidade e da racionalidade administrativa.
Nos dias atuais, os desafios da Filosofia Política se multiplicam. O avanço do neoliberalismo, as crises ambientais, a ascensão de discursos autoritários e o impacto das tecnologias digitais na esfera pública exigem novas abordagens. A filosofia política contemporânea se debruça sobre questões como justiça global, direitos das minorias, migração, governança digital, entre outros temas.
Pensadores como Nancy Fraser, Judith Butler, Axel Honneth e Achille Mbembe ampliam o escopo da disciplina ao integrar dimensões de gênero, etnia, identidade e reconhecimento social na análise política.
Ao longo de sua trajetória, a Filosofia Política demonstrou ser não apenas um campo de reflexão teórica, mas também uma prática crítica voltada para a transformação social. Seu papel consiste em problematizar as formas existentes de poder, questionar os critérios de legitimidade e imaginar possibilidades alternativas de organização coletiva. Em tempos de incerteza e polarização, a Filosofia Política nos convida a pensar com rigor, a dialogar com respeito e a agir com responsabilidade.
Se a política cotidiana muitas vezes se reduz a disputas partidárias ou interesses imediatos, a Filosofia Política nos lembra de que há algo mais profundo em jogo: a própria ideia de convivência humana, de justiça e de bem comum.
Em epítome, pensar filosoficamente a política é, em última instância, um exercício de cidadania crítica — e talvez uma das formas mais importantes de resistência em um mundo que parece, cada vez mais, esquecer o valor da reflexão.
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